“Foi
de mesquinharia em mesquinharia,
de pequena em pequena coisa,
que
finalmente as grandes coisas se formaram.”
Michel Foucault
As meninas tinham
de um tudo. Casa grande, cada qual com seu quarto e carro sempre do
ano. O dinheiro nunca faltava e os passeios variavam entre balneários
ensolarados e restaurantes da moda. Não chegava a ser uma vida luxuosa,
mas era, com certeza, uma vida boa. E duas delas, pois moravam juntas
sem os pais, que se aposentaram e foram morar de Cruzeiro em Cruzeiro:
suíte com quarto separado, cama Queen size e varanda privativa. Na 'sala
de estar' tinham até um bom sofá, decorada com restos da casa de campo!
(Assim não precisavam nem de visitas, se entretinham com a população
flutuante que entrava e saía do navio.)
E
as irmãs assim viviam, cada qual cuidando de sua vida, mas sem cuidar
muito da casa. Dentro da residência a competição era grande. Quem vai
lavar a louça? Quem vai limpar a área de uso comum? As compras de
mercado então eram o grande debate. Ninguém queria comprar alvejante
para o lavabo da sala de estar. Contavam migalhas e vinténs apesar de
serem ambas bem sucedidas e ainda ganharem mesada do avô abastado. Quem
olhava de fora nada entendia. Para quê tanta mesquinharia? Se pouco
tivessem agiriam diferente? Com certeza as perguntas não eram fácil de
responder.
Algumas
mesquinharias mudam vidas, enquanto outras são facilmente esquecidas.
Mas o acúmulo de pequenas mesquinharias é tão danoso quanto um copo de
birita ao lado da cabeceira. O sujeito vai dormir embriagado e quando
acorda dá aquela golada no copo de vodka aguada. E pior ainda é fumante
apagando cigarro em lata de cerveja sem ao menos amassá-la para dar a
impressão de usada. Vem um bêbado sedento e toma aquela coisa horrível,
cheia de guimbas... Enfim. Ainda não há como saber o que pode acontecer
com as irmãs, mas que a mesquinharia envenena a amizade, ah, isso já
está acontecendo.