Aquele que procura faíscas...

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O podrão da praça


“Tomara que ela tome conta dele na velhice…” Pensava Cristina, enquanto comia um Chernobyl na Praça São Salvador, no Flamengo, Rio de Janeiro. Era assim que ela e os amigos chamavam a Kombi que lá pelas tantas cheirava a carne queimada, torrando bacon e cheeseburgers na madrugada. Depois de tanta birita, só Chernobyl salva.

Tudo começou durante o jantar. Mas desta vez Cristina ficou surpresa. De verdade. Para seu espanto o pai não falou de Gabriela, aquela por quem havia trocado sua família anos atrás. Hoje, já mais madura, ela nem a culpava. O pai, sim, era um vida torta. E talvez ficar com Gabi tenha sido a coisa mais sensata que ele tenha feito. “Pena que tenha cagado no pau antes, durante e depois, o que não sustenta nenhum relacionamento decente.”, refletiu, ao tirar da boca um pedaço de nervo da carne de quinta.

Gabi era 15 anos mais nova, mas muito inteligente e na época do affair já caminhava para ser independente. Homem não dava nó de marinheiro nela. Só nozinho comum, daqueles bobos, e mesmo assim porque ela deixava. Enfim, a história não é sobre Gabriela, é sobre Cristina, aquela que não vai colocar o babador no velho quando ele não puder mais comer sozinho.

Tem gente que fica tão viciada em si mesma que não consegue se reinventar. Então a solução é partir para a troca externa. Que também não é oxigenada. Troca-se um exemplar melhor por um outro pior. E cada vez pior, pior, pior. Isso porque se você não amadurece, não cresce, não atrai quem te empurre para cima. O treco desanda mesmo é ladeira abaixo. E o que sobra é um velho babão. Uma pena. Enfim. Vamos lá. Foco.

Então... O pai de Cristina é o velho babão da vida dela. Com a sorte de ter nascido bonito e talentoso, apesar de mau caráter. Sua vida sempre fora boa e nunca tivera medo de nada. Falta de medo essa que passou para a mãe da Cris, que vivia de pensão e se orgulhava de, pelo menos, ter se casado com um ‘nunca-será-pobre’ - como ela gostava de dizer quando ficava desesperada por conta de sua falta de iniciativa e habilidades práticas.

“O mau caráter e a sanguessuga...”, a frase ecoava, enquanto mais uma mordida levava bacon crocante para dentro sua mastigante boca. Cris os amava, claro, mas não a ponto de perder o bom senso. E também não o perdia agora, comendo um ‘x-burgue’ duplo com bastante maionese depois de ter jantado com o pai. Já eram 3:30 e o tal jantar durou exatos 50 minutos, tendo começado às 21:45. Era assim sua vida com ele. Cronometrada.

Encontraram-se na porta do prédio dela, às 21:15. E desta vez o motorista não foi buscar, como das últimas outras recentes. Depois que ele não deu certo com a Gabi, mudou-se para bem perto da família; e como uma forma de resgate, buscava ele próprio tanto ela quanto a irmã mais nova em ocasiões como essas. Como se fizesse alguma diferença... Enfim. Foco.

Às 21:20 estavam sentados no preferido pequeno restaurante do lado norte da Zona Sul carioca. Preferido do pai. Ele era conhecido e sabia que o serviço seria rápido. Em menos de 20 minutos pratos servidos e já enquanto todos ainda terminavam a refeição ele pedia a conta, ‘para ir adiantando’. Às 22: 35 pai e filha se despediam, sem muito calor no abraço curto. Não se importaram nem com a sobremesa.

E o assunto não passou nem por um momento pela Gabi. O babão havia finalmente eleito mais uma mulher para a vida dele. A segunda depois de sua mãe. E pelo visto importara do Sertão Nordestino. Preconceitos a parte, parecia mais uma das namoradinhas de bordel com quem ele circulava, só que desta vez ele pagou passagem e enfiou a mocinha com corpo de criança e cara marcada pelos mal tratos da pouca vida dentro de sua própria casa.

Ela até que não era feia – haviam se encontrado umas duas ou três vezes no Aterro do Flamengo, onde o pai tentava andar de bicicleta todos os domingos e em seguida almoçar no Porção Rio’s. O almoço acontecia mais frequentemente do que as pedaladas – efeito da ressaca acachapante. E na última vez ela, que se chamava Ana Rosa, havia clareado as madeixas, o que suavizou bastante sua expressão. Os cabelos ‘asa de graúna’ deram lugar a uma tonalidade loira amendoada.

O pai inventara o jantar para dizer às filhas que se uniria oficialmente à namorada. E por tê-lo feito de última hora – talvez pelo fato de querer tirar logo a decisão da cabeça para poder dormir melhor – sua irmã mais nova não pôde comparecer: era formatura do namorado. E ele, que já não tinha paciência para administrar as agendas, decidiu jantar somente com ela (“Pro Diabo sua irmã e seus compromissos!”, esbravejava o caloroso pai.).

O que ele queria que ela dissesse? Por acaso estava querendo aprovação? Depois de tantas burradas ele se importaria em ouvir o que ela tinha a dizer? Cristina tinha pena. Em diversas conversas familiares ele deixou escapar que achava que filho homem não cuida dos pais na velhice – e para corroborar sua suspeita, recentemente um de seus primos havia enfiado a mãe enferma em um asilo.

E assim, mesmo tendo duas meninas, por causa das suas trapalhadas e falta de dedicação à família, o medo de ficar sozinho crescia aos galopes. Obviamente. Já ultrapassava dos 50 anos e sua saúde dava sinais de fraqueza, pelos excessos cometidos desde a adolescência. Então, arrumou uma companheira jovem o suficiente para o divertir, burra o suficiente para não discutir e pobre o suficiente para se deslumbrar. Sua aposentadoria estava garantida, e Cris não dava a mínima, tinha sua própria vida para se preocupar.

E assim, dando a última mordida no Chernobyl, pediu mais uma latinha de cerveja e acenou para o ‘Seu’ Adão, dono da Kombi, com quem ela já tinha uma conta aberta. Já passava das 4:00 e no dia seguinte ela marcou um picnic etílico com os amigos nos Jardins do MAM.

Para a seleção da Oficina Compartilhada

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