Aquele que procura faíscas...

domingo, 10 de abril de 2011

Sombras

Eu gosto de gente, o que não significa que me sinta atraída por todo mundo. Os homens são mais audaciosos porque se valem da cortina social. Já a maioria das mulheres, por medo, ainda aceitam um script pronto, com pavor do julgamento que podem receber. Aceitam as migalhas do capitalismo como se fossem grandes conquistas. E se esquecem do que realmente querem para a satisfação própria. Se largássemos os rótulos de lado poderíamos escolher entre uma possibilidade infinita de frascos. Mas para isso não basta queimar os sutiãs.

É preciso algumas fraturas na alma para quebrar de vez com o romantismo da costela, que vicia num paternalismo sufocante onde todas querem ser salvas, para num ato comovente e dilacerante abreviarem a própria vida. E aliviarem o peso da responsabilidade que é viver. E assim as pessoas coexistem em famílias, empregos públicos, religiões e organizações com estrutura enlatadas e de sabor duvidoso. Porque a surpresa, o inesperado, são por demais excitantes e ficar prostrado é mais fácil do que correr o risco de descobrir o mundo.

Entrar em contato com a própria sombra não é fácil. Minha face escura, frustrada, se aborrece com a vida mundana. Por isso eu a rejeito e ela vem ser ser chamada. De um lado, machuca e é machucada. Do outro, se liberta das amarras da hipocrisia e cai na fantasia. Mas por que ela precisa da noite errante? E por que abafa as outras nuances se fazendo de única amante? Ela parece inteira, mas não passa de um rameira que, sem coragem de se espalhar na vida, se esconde na veia da morte e foge de qualquer maneira. Nessas horas me faz voar e eu não entendo mais nada.

Ela me esconde no fundo do poço. A mim e as outras que, sufocadas, só sentem a dor da mais terrível e mal amada. E assim todas nós nos sentimos um pouco vítimas. Nos sabotando nas entrelinhas da vida. Despedaçando os próprios sonhos entre um gole, um desejo sufocado e um futuro enfadonho. Por que esse medo de ser feliz? E abraçar o que o seu universo sabe querer? Por que a necessidade de pertencer a fórmulas acertadas que todos sabem que estão engessadas, e que no fundo só fazem sofrer?

Seria o medo da plenitude, porque ela, assim como a morte, é desconhecida? O mistério atrai, enquanto a última gota de vida se esvai. A sombra mor encanta... E doce faz adormecer. Dormem você e todas as outras nuances que, juntas, entenderiam o sofrer. Por isso ela é egoísta e te usa para brincar na escuridão. Exu, encosto, pomba-gira... Os mais sensíveis dão nome à Rosa e tentam domar o monstro.

Na sobriedade sobram lágrimas, lástimas e histórias para contar. Mas por que achar que é privilégio da humanidade desequilibrada essa sombra mal encarada? É tão comum em mim quanto em você, e a minha fragilidade de ainda não saber domá-la é mais fascinante do que a sua habilidade em sufocá-la. Às vezes uma noite que parece sofrida, esconde uma vida melhor vivida.

Para a seleção da Oficina Compartilhada

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